sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Odorico das Flores, alma e batuque da noite



Odorico das Flores é uma celebridade da noite de Porto Alegre. Elegante, munido de terno, gravata borboleta, sorriso no rosto e um enorme buquê, vende rosas vermelhas em bares, restaurantes e casas noturnas da cidade há 40 anos. Contrariando a sina de seus colegas de profissão, geralmente pouco alinhados e muitas vezes mal recebidos nas mesas, não é raro Odorico Felix, 61 anos, virar alvo de fotografias de sua clientela. Virou até samba do compositor gaúcho Wilson Ney.

“Alô, alô minhas senhoras e senhores
está chegando na casa o Odorico das Flores,
uma rosa para lá, uma rosa para cá está feito seu cachê.
Assim como todas as noites vende para sobreviver.
Popular a peça, também gosta da rosa do samba,
o Odorico das Flores é um cara bacana”


O trabalho notívago começou no início dos anos 70, por sugestão do então editor da Revista Globo de Porto Alegre, Flavio Carneiro, onde trabalhava como office-boy. Seu padrinho era o feliz namorado da única Miss Universo brasileira, Ieda Maria Vargas. Os dois foram passar as férias no Rio de Janeiro, onde conheceram o “Pedro das Flores”, que exercia este ofício pelas noites cariocas.



A carreira de office-boy, iniciada na financeira Novo Rio, do ex-governador Carlos Lacerda, com escala no sindicato dos radialistas, terminara. Odorico chegou a ganhar um smoking de presente do casal de namorados que o incentivava a ocupar esse posto da noite porto-alegrense. E avisa: “Vou ficar nessa até o lá de cima quiser. É ruim de levar o negrão”.

Embora seu trabalho entre madrugada adentro, a jornada semanal de Odorico tem cinco dias: de quarta a sábado. Antes pegava no batente já na terça. Em seus percurso pela noite, é escoltado há doze anos por seu motorista, Adolfo Morais, 42, hoje em um Siena que, vermelho, ajuda a compor o estilo do patrão. Odorico frisa que este é seu terceiro automóvel. Adolfo começou pilotando um Uno, depois teve um Fiat Elba.

As coisas melhoraram bem. Antes, a alternativa de Odorico era dormir na casa da sogra. Morador do bairro Restinga Nova, que fica uma hora distante do centro da cidade, não podia depender do último ônibus que saía às 2 da madrugada, o que limitaria seu trajeto que geralmente compreende uma dúzia de bares e restaurantes por noite.



Hoje em dia até engorda seu cachê animando jantares particulares, onde entrega uma rosa para cada dama convidada e canta as músicas de seu repertório: o indefectível “Primavera”, presenteando seus ouvintes com o saudoso timbre de Tim Maia, e “Emoções”, de Roberto Carlos. Quando há a presença de um sax e de um piano, acrescenta o clássico “Ronda”, de Paulo Vanzolini.

Não se lembra mais quando nem em que bar, mas diz que seu dom musical lhe pegou de surpresa: “Não sabia que eu sabia cantar”. Onde há música ao vivo, como na roda de samba de um bar da chamada “Calçada da Fama”, já chegou cantando e, tal qual um maestro, conduziu os músicos para sua canja.



Era um sábado frio de Porto Alegre. Entre os presentes no bar havia Renan, de 5 meses, que acabara de acordar de seu “soninho” no meio do samba. Gentil, Odorico deu uma rosa de presente para o neném e foi para o balcão onde, depois de trocar umas palavras com o atendente, levou seu chope de cortesia, que é, no seu dizer, para “molhar a garganta da diretoria”.

Essa regalia ele tem em todos os bares, onde sempre troca uma boa conversa com os times que trabalham na casa, em especial, é claro, com os tiradores de chope. E para não fazer seu cliente ter que tirar a carteira no meio do jantar, muitas vezes sua rosa é cobrada na conta, e Odorico recebe seu pagamento direto no caixa.



As rosas devem render um bocado no galanteio noturno e para ficar de bem com a “patroa”. A propósito, são botões de rosa que se abrem de fato. Não ficam daquele jeito deprimente das que foram colhidas do refugo das vendas na Ceasa e vendidas com ares de fim de noite nos faróis e nas madrugadas das nossas metrópoles.

De mesa em mesa, Odorico sugere, dependendo do momento: “Cavalheiro quer completementar o fim de semana com um botãozinho de rosa para o amor da sua vida?” Às vezes chega cantando. Isso quando não são os clientes sentados na mesa que lhe pedem para cantarolar.

Naturalmente, se aborda uma mesa de aniversariante, presenteia o “Parabéns para Você” com seu vozeirão, alegrando a festa. Diz que a cada cem clientes, dois, no máximo, são grosseiros. De qualquer maneira, tem a lábia do vendedor que não perde a ocasião. Vendeu rosas até em sua parada estratégica no toilette. Enquanto a reportagem o aguardava na saída, saiu de lá um senhor engravatado com duas rosas na mão.

Lições da noite
Nascido em Porto Alegre, ficou órfão de mãe aos 13 anos e perdeu contato com seus irmãos que “se espalharam pelo mundo”. Parece que o pai era alfaiate. Não se lembra até quando estudou, só que foi “pouquíssimo”. Gosta de dizer que a noite é que foi sua escola e faculdade. Sua primeira lição? A discrição: “Não sei, não te vi”. E para se garantir: “Só cumprimento se a pessoa me cumprimentar, pois ela pode estar em um mau momento”.

Como que seguindo a mudança da geografia dos bares porto-alegrenses, começou nos que se aglomeravam na Protásio Alves, no Alto Petrópolis, como o longevo alemão Prinz Bar. Hoje frequenta restaurantes em shopping e alguns pontos bem badalados da cidade. Tem exclusividade nas casas onde trabalha.



Há 20 anos trabalhando na noite, o garçom Alexandre conhecia Odorico já de empregos anteriores. Afinal, assim como em outros circuitos profissionais em uma cidade relativamente pequena como Porto Alegre (um milhão e meio de habitantes), quem trabalha na noite se conhece. É só uma outra escala. E acontece também com Odorico o encontro com velhos amigos. Na noite que o seguimos, topou com o médico Carlos Matzenbacher que, além de amigo, atendeu sua mulher no parto de seu único filho, avisando: “Temos dez minutos para tirar essa criança”. Sua mulher estava em pré-eclâmpsia.

Deu tudo certo no parto, e o filho de Odorico, Fabio Alexandre Oliveira Felix, 38, já deu bom seguimento à linhagem, brindando seus pais com três netos: Evelin, 21, Aléxis, 16 e Carolina, 2 anos.

Mais tarde, a esposa de Odorico, Jussara, acabou indo trabalhar como atendente de enfermagem no mesmo hospital de Matzenbacher, a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Com o hábito de colecionar as fotos dos bebês dos quais fez o parto, o médico pediu por muitos anos em vão a foto do “filho” para enfeitar a parede de seu consultório. É meio esquecido esse Odorico.



Feliz no casamento há 42 anos, este elegante vendedor de rosas contou sempre com a compreensão da mulher para suas ausências noturnas. Católico à brasileira, Odorico também segue religião afro-brasileira que no Sul é conhecida como “Batuque”. Vem bem a calhar em se tratando de quem tem por profissão transitar na noite. Afinal, deve ser também de bom tom prestar homenagens ao senhor das encruzilhadas e à senhora que ama ganhar champanhe e rosa vermelha de presente na sexta-feira à noite.

1 comentários:

Ana Carolina disse...

Gostaria de uma informação: Tem o contato do Odorico para me passar.

Caso sim, favor me passar para este e-mail: ana.costa@insidedirect.com.br

Att,

Ana Carolina.

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